Agricultura familiar uma questão de sobrevivência

Como é a realidade rural no nosso país?

Na verdade, não existe uma realidade rural, porque o rural é o não urbano. Ele é a cultura, é a dança, é a música, é o meio ambiente, o turismo, a cachoeira, a comida; enfim, tudo que não é urbano é rural. O universo rural é muito mais rico do que se pode ver numa revista agrícola, por exemplo, ou numa estimativa de safra.

Todos que têm alguma ligação com o campo assistem pelo menos uma vez por mês o Globo Rural, no domingo de manhã. O programa traz o mundo rural de uma forma extremamente bela, as experiências igualmente belas.

Acho, então, que as pessoas se reconhecem muito neste programa. Mas existe uma beleza do que é o rural hoje, um certo saudosismo daquela realidade mais simples, da jabuticaba no pé… Existe o imaginário, mas existe o que é muito real, principalmente no interior.

É reconhecida a importância que a agricultura familiar tem na mesa dos brasileiros?

Desde 2006, tanto o governo brasileiro, pelo senso agropecuário, quanto a própria ONU já estabeleceram a contribuição da agricultura familiar em cerca de 70% da produção de alimentos. Hoje, a soja, o milho, a carne, as commodities todas, elas não vão para a mesa, elas vão para a exportação ou para ração animal.

O peso que a agricultura familiar tem é muito grande, mas é diferente nas várias regiões. Por exemplo, na Amazônia, no Pará, é diferente do que no interior do Rio Grande do Sul, onde se tem uma cultura mais europeia (salame, geleia, cuca, o pão quente feito na hora). Bem, isso traz uma ideia do que se pode fazer com a agricultura familiar.

Existe uma espécie de controle da produção pelas grandes corporações, indicando o que deve ou não ser plantado?

Todas as pessoas que moram no interior já viram por lá os “moços da Monsanto”, e de outras empresas, chegando com um carrão, com uma camiseta bacana, com um boné legal, e chegam distribuindo brindes, com propostas sedutoras de parceria. Mas, no momento em que essas empresas conseguem o seu intento, elas determinam a respeito da produção e comprometem o produtor quanto ao que plantar e aos valores monetários de negociação.

Por exemplo, no Pará, uma coisa interessante é que nos últimos quatro anos o governo federal começou a implementar na parte sudoeste do estado a cultura do dendê para fazer biodiesel, o que levou muitas famílias a aderir a esta cultura, deixando de plantar alimentos ou até mesmo vendendo suas terras, virando funcionários das empresas.

O Departamento Intersindical de Estudos Econômicos (DIEESE) mediu a inflação do preço dos alimentos principais dessa região, que é peixe, açaí e farinha de mandioca, e concluíram que nunca se viu preço tão caro. Tem relação com a safra?

Tem, mas nem o DIEESE desmente que deixar de produzir estes produtos e entrar para a produção do dendê, colocar todo o esforço e o potencial da terra para produzir um combustível, que vai ser utilizado pelos tratores da Vale do Rio Doce, é uma atitude que não dá para entender. A população está reclamando do preço da farinha, e esse é o impacto que a gente observa. Então aí está a importância da agricultura familiar na alimentação.

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